sábado, 19 de dezembro de 2009

COMENTÁRIO DO LIVRO "EDUCAÇÃO EM LÍNGUA MATERNA - A SOCIOLINGUÍSTICA NA SALA DE AULA

EDUCAÇÃO EM LÍNGUA MATERNA: A SOCIOLINGÜÍSTICA NA
SALA DE AULA

Esse livro apresenta os fundamentos teóricos e as aplicações práticas, na forma de atividades bem elaboradas, para transformar a educação em língua materna num compromisso com a formação plena do cidadão e contra toda forma de exclusão social pela linguagem. O livro destina-se a professores, de ensino fundamental e médio e a estudantes dos cursos de letras e de pedagogia interessados pela questão premente da língua materna.
Estrategicamente dividida em sete capítulos, escritos propositalmente em linguagem coloquial, a autora assim os distribuiu:

1) A sociedade brasileira: características sociolingüísticas;
2) Diversidade lingüística e pluralidade cultural no Brasil;
3) A variação lingüística em sala de aula;
4) A comunidade de fala brasileira;
5) O português brasileiro;
6) Competência comunicativa;
7) A variação lingüística no português brasileiro.

Trata-se de uma obra de leitura muito prazerosa, com pouca retenção teórica e com muitos recursos que promovem um bom entendimento do texto por parte dos leitores. No decorrer dos capítulos há ainda sugestões para atividades, discussões, leituras e reflexões o que torna o trabalho ainda mais didático.

No primeiro capítulo - A sociedade brasileira: características sociolingüísticas — “identificam-se as principais características sociolingüísticas da sociedade brasileira e suas implicações para a educação”. Um trecho do romance Rememórias dois de Carmo Bernardes1 serve como texto estímulo para que a autora insira o leitor na reflexão sobre a língua portuguesa no Brasil, suas características e sua variação, especialmente as diferenças entre o Brasil urbano e o Brasil rural. Decorre desse texto estímulo, o trabalho com alguns dados: a) Crescimento da população rural e urbana no Brasil, b) A evolução da alfabetização no Brasil e c) Taxas de alfabetização na população brasileira de 15 anos ou mais.

No segundo, sobre - Diversidade lingüística e pluralidade cultural no Brasil — são tecidas considerações que “facilitam a conscientização sobre variação lingüística”, tendo novamente como base a narrativa regional-memorialística de Carmo Bernardes. Bortoni-
Ricardo explora como a criança começa a desenvolver o seu processo de sociabilização em três domínios: a família, os amigos e a escola. Nesses domínios, as pessoas interagem assumindo certos papéis sociais, os quais são acompanhados por tipos específicos de comportamento lingüístico. São esmiuçadas as relações lingüísticas da criança com a família, com os amigos e com os professores na escola.

A variação lingüística em sala de aula, título do terceiro capítulo, tomando ainda como base a saga de Carmo Bernardes, a autora “refleti sobre a variação lingüística no repertório dos professores e dos alunos de ensino fundamental”. Discute elegantemente como o professor deve trabalhar a questão do erro lingüístico — não como uma deficiência do aluno, mas sim como diferença entre duas variedades. A pesquisadora insere também nesse capítulo a noção de adequação lingüística, que deve ser ministrada aos alunos, conscientizando-os quanto às diferenças para que eles possam começar a monitorar seu próprio estilo.

O quarto capítulo, intitulado - A comunidade de fala brasileira, a autora “leva o aluno a aprofundar sua conscientização sobre a variação lingüística e a educação em língua materna”. Tomando como base a historinha O limoeiro de Maurício de Sousa (Chico Bento, nº. 354), a autora sugere que o personagem Chico Bento poderia se transformar - em nossas salas de aula — em um símbolo do multiculturalismo que ali deveria ser cultivado. A autora explora também conceitos como grupos etários, gênero, status socioeconômico, grau de escolarização, mercado de trabalho e rede social, que corroboram para o entendimento da variação lingüística.

Já no quinto capítulo, em O português brasileiro há uma “sistematização das informações sobre a variação lingüística no Brasil”, tomando por base três linhas, que foram classificadas de contínuos: contínuo de urbanização, contínuo de oralidade-letramento, contínuo de monitoração estilística. Evita-se, assim, a costumeira e tradicional criação de fronteiras rígidas entre Mais precisamente, Bortoni-Ricardo nos mostra que o português brasileiro não possui uma feição única, mas sim é uma entidade heteróclita, ou seja, há vários “portugueses brasileiros”. Esse, sem sombra de dúvidas, é o capítulo mais significativo do livro, pois propõe um instrumental de análise para o português brasileiro distinto do que vem sendo apresentado por outros pesquisadores.

No sexto capítulo a autora trata da Competência comunicativa — visando “introduzir os conceitos de competência lingüística e competência comunicativa e suas implicações para a educação”. Bortoni-Ricardo rastreia o percurso desses conceitos a partir do linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), que postulou uma distinção entre língua e fala; em seguida o norteamericano Noam Chomsky (1928), que retomou a distinção entre língua e fala, com pequenas alterações, propondo uma dicotomia entre competência lingüística e desempenho (ou performance). Finalmente, a autora destaca o trabalho do norte-amerciano Dell Hymes (1927) em 1966, como a principal reformulação à dicotomia proposta por Chomsky. Para Hymes, o maior problema com o conceito de competência lingüística residia no fato de que esse conceito não dava conta questões de variação da língua. Hymes então propôs um novo conceito, o de competência comunicativa, que é bastante amplo para incluir não só as regras que presidem à formação das sentenças, mas também as normas sociais e culturais que definem a adequação da fala. Assim, Hymes inclui a noção de adequação no âmbito da competência;

A variação lingüística no português brasileiro — Neste sétimo e último capítulo a autora “sistematiza informações sobre regras de variação na fonologia e morfossintaxe”.
Mais particularmente, a autora quer responder às seguintes perguntas: “1) Quais as principais características da fala de um brasileiro com antecedentes rurais e urbanos se comparada à fala de um brasileiro com antecedentes urbanos?” e “2) Quais as principais características da linguagem de um falante usando estilo monitorado se comparado aos seus estilos não monitorados?”

Trata-se de um trabalho muito interessante para os que se iniciam nos estudos de sociolingüística do português brasileiro, dado que a autora condensa – com inegável habilidade – discussões clássicas, a par de pesquisas recentes sobre esse tema.
Se os especialistas estão relativamente bem servidos de publicações, o mesmo não se pode dizer, contudo, do público leigo que pretende se iniciar nessa área do conhecimento lingüístico. Para este, têm faltado boas obras introdutórias. Assim, esse trabalho vem preencher uma lacuna existente no mercado editorial e também fazer importante ligação entre a sociolingüística teórica sobre o português brasileiro e o público principiante nesse setor do conhecimento lingüístico.

(BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolingüística na
sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004 (Col. Linguagem, nº. 4) 112 p.
ISBN: 85-88456-17-6).

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